sexta-feira, 8 de maio de 2015
Ivan Illich - Sociedade sem escolas
Muitos estudantes,
especialmente os mais pobres, percebem intuitivamente o que a escola faz
por eles. Ela os escolariza para confundir processo com substância.
Alcançado isto, uma nova lógica entra em jogo: quanto mais longa a
escolaridade, melhores resultados; ou, então, a graduação leva ao
sucesso. O aluno é, desse modo, “escolarizado”, a confundir ensino com
aprendizagem, obtenção de graus com educação, diploma com competência,
fluência no falar com capacidade de dizer algo novo. Sua imaginação é
“escolarizada” a aceitar serviço em vez de valor. Identifica
erroneamente cuidar da saúde com tratamento médico, melhoria da vida
comunitária com assistência social, segurança com proteção policial,
segurança nacional com aparato militar, trabalho produtivo com
concorrência desleal. Saúde, aprendizagem, dignidade, independência e
faculdade criativa são definidas como sendo u pouquinho mais que o
produto das instituições que dizem servir a estes fins; e sua promoção
está em conceder maiores recursos para a administração de hospitais,
escolas e outras instituições semelhantes [...] O sistema escola repousa
ainda sobre uma segunda ilusão, de que a maioria do que se aprende é
resultado do ensino. O ensino, é verdade, pode contribuir para
determinadas espécies de aprendizagem sob certas circunstâncias. Mas a
maioria das pessoas adquire a maior parte de seus conhecimentos fora da
escola; na escola, apenas enquanto esta se tornou, m alguns países
ricos, um lugar de confinamento durante um período sempre maior de sua
vida. [...] A escola é ineficiente no ensino de habilidades,
principalmente porque é curricular. Na maioria das escolas, um programa
que vise a fomentar uma habilidade está sempre vinculado a outra tarefa
que é irrelevante. [...] As escolas são fundamentalmente semelhantes em
todos os países, sejam fascistas, democráticos ou socialistas, pequenos
ou grandes, ricos ou pobres. Esta identidade do sistema escolar nos
força a reconhecer a profunda identidade universal do mito, o modo de
produção e o método de controle social, apesar da grande variedade de
mitologias em que o mito é expresso. Em vista desta identidade, é
ilusório dizer que as escolas são, num sentido mais profundo, variáveis
dependentes. Isto significa que também é ilusão esperar que a mudança
fundamental no sistema escolar ocorra como consequência da mudança
econômica ou social convencional. Ao contrário, esta ilusão concede à
escola – o órgão reprodutor de uma sociedade de consumo – uma imunidade
quase inquestionável [...]. Um bom sistema educacional deve ter três
propósitos: dar a todos os que queiram aprender acesso aos recursos
disponíveis, em qualquer época de sua vida: capacitar a todos os que
queiram partilhar o que sabem a encontrar os que queiram aprender algo
deles, e, finalmente, dar oportunidade a todos os que queiram tornar
público um assunto a que tenham possibilidade de que seu desafio seja
conhecido. Tal sistema requer a aplicação de garantias constitucionais à
educação. Os aprendizes não deveriam ser forçados a um currículo
obrigatório ou à discriminação baseada em terem um diploma ou
certificado. Nem deveria o povo ser forçado a manter, através de
tributação regressiva, um imenso aparato profissional de educadores e
edifícios que, de fato, restringe as chances de aprendizagem do povo aos
serviços que aquela profissão deseja colocar no mercado. É preciso usar
a tecnologia moderna para tornar a liberdade de expressão, de reunião e
imprensa verdadeiramente universal e, portanto, plenamente educativa
[...]. Acredito que apenas quatro – possivelmente três -
“canais” diferentes ou intercâmbios de aprendizagem poderiam conter
todos os recursos necessários para uma real aprendizagem. A criança se
desenvolve num mundo de coisas, rodeada por pessoas que lhe servem de
modelo das habilidades e valores. Encontra colgas que desafiam a
interrogar, competir, cooperar e compreender; e, se a criança tiver
sorte, estará exposta a confrontações e críticas feitas por um adulto
experiente e que realmente se interessa por sua formação. Coisas,
modelos, colegas e adultos são quatro recursos; cada um deles requer um
diferente tipo de tratamento para assegurar que todos tenham o maior
acesso possível a eles.
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